quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O desastre de Mariana

Na Bíblia está escrito que o homem recebeu um mandato divino para ocupar a terra, Até onde vai o meu parco conhecimento religioso, não foi dado nenhum limite à humanidade quanto à natureza. Ou, se foi dado, não ficou registrado no senso comum. 

Vivemos, durante os poucos milênios em que ocupamos esse planeta de vários bilhões de anos, como se os recursos terrestres fossem inesgotáveis e o espaço a ocupar fosse infinito. Há pouco tempo derrubar florestas era tido como uma benfeitoria. E na verdade ainda é assim para a maior parte das pessoas. Ninguém pensa que o mundo pode acabar não por uma hecatombe qualquer mas por uma série de acidentes que vão pouco a pouco minguando os nossos recursos e a nossa qualidade de vida. 

Na semana que passou duas barragens onde a mineradora Samarco depositava seus rejeitos se romperam, riscando do mapa o distrito histórico de Antonio Dias junto com muitas vidas. Uma barragem como essa é como um depósito de concreto, uma lama espessa e sufocante normalmente cheia de materiais tóxicos. Numa inundação, alguém pode agarrar-se a um pedaço de madeira que flutua e esperar ser resgatado. 

Uma avalanche de rejeitos dessa extensão é morte certa. É contaminação a longo prazo que escorre até os rios, é drenada para o subsolo e marca para sempre o meio ambiente em que se instala. Normalmente, quando algo assim aconteça, todos apresseam-se em procurar culpados. 

Mas muito pouca gente se dá ao trabalho de perguntar porque algo assim ainda é permitido. Como é que uma empresa consegue, com o consentimento das autoridades que nos representam, construir uma barragem de rejeitos logo acima de um povoado? Como as empresas grandes, ao chegar em qualquer lugar, sobretudo os menores e mais carentes, podem encher-se de vantagens de isenções de impostos sem que haja exigências capazes de assegurar que não causarão mal às pessoas dos lugares em que se instalam?

Isso acontece porque todos, praticamente todos, ficam imensamente felizes quando uma empresa grande procura um lugar pequeno. As autoridades apresentam a atração de empresas no balanço de suas realizacões. As pessoas lhes dão boas vindas porque desejam o progresso, querem ganhar mais dinheiro, ver o comércio florescer ter oportunidades de subir na vida. E quase nunca olham para os riscos tais empreendimentos representam.  

E de fato essas empresas grandes, com seu gigantesco poder de movimentar a economia dão a impressão de que o progresso chegou, animando as pessoas. Nós só não nos damos conta de que talvez não haja mundo para o tamanho do progresso que desejamos. 

Ao contrário do pensávamos na época da Guerra Fria o mundo pode acabar não numa única hecatombe que ceifaria de uma única vez todas as vidas. O mundo, na verdade, está acbando aos poucos, na sucessão de desastres que atingem os nossos recursos naturais. As empresas vão ficando mais ricas, mas o planeta fica mais pobre. E o empobrecimento atinge exatamente aquilo que é mais essencial à vida: há cada vez menos água potável, terra agricultável, ar respirável e diversidade biológica para apreciarmos. Mas apesar disso, todos continuamos a achar que somos os senhores do mundo, que tudo esta aí para nosso desfrute, como se tivéssemos mil planetas a nosso inteiro dispor. 

Quando acontece um desastre como esse, todas as pessoas olham para o desastre em si. Eu os convido a abrir um pouco mais a perspectiva e olhar para o tipo de mentalidade que permite que esses desastres aconteçam, um tipo de mentalidade que todos alimentamos. Com tudo o que vemos acontecer em nossos dias contnuamos a querer crescer a qualquer custo e a alimentar sonhos de consumo impossíveis de realizar. 

Para terminar, nada melhor que o poema de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” Veja versão em áudio aqui




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