segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O COMEÇO DO LIVRO


O livro começa
Com o vazio que me olha
Com cara de fome
Ávido de nomes
E significados
   O vazio quer ser lido
   Quer ser
          Preenchido.

O que ele faz me devora
É meu vazio que aflora
Cavalgando palavras
Galopando ao vento
Quer ser sentimento
Quer significado
Santidade e pecado
Quer ter voz humana
-       O vazio sou eu!

As palavras nasceram sem significado
Eram apenas gemidos.
Eram roncos selvagens
respirações guturais
as palavras primitivas
nuas de expressão
só ganharam sentido
ao vestir-se do ouvido
do outro.

(O livro, em si,  não é meu,
não me expressa.
Só pode ser livro,
se da solidão se livrar)

Dizem que foi o Verbo
Que veio primeiro
E se fez carne depois
Mas existe, em verdade,
Verbo sem carne
A habitar entre nós?

Verbo e carne se alimentam um do outro.
Se não fosse o Verbo, como à carne se chamaria?
Se não fosse a carne, de que o Verbo se vestiria?

O Verbo é um gene egoísta
Que anseia por multiplicar-se
Aceita tantas mutações
Vive em completa promiscuidade
No afã de alcançar
A eternidade.

Aquela velha Flor do Lácio
Dormiu com estranhos
Fez filhos mestiços
Ganhou pompa e viço
Na boca dos pobres,
Humilhados, sofridos
Famintos de expressão.

(O idioma ficou rico
às custas dos pobres.
Pois na boca dos nobres
A palavra permaneceu estática
Prisioneira da gramática)

Primeira Página
De quantas árvores mortas
É feito o corpo vivo
Do livro?
Ipads e kindles
Footprints de carbono
A palavra que inspira
Roubou ar do planeta?
Quanto tempo levará para se degradar?

Bobagem.
O livro não é
Papel ou informática
O livro é a gramática
Que abriga a nossa fala
Quando se torna incorpóreo
Quando vira mensagem
Sem papel e sem tela
É que o livro se revela.

SEGUNDA PÁGINA
Por favor, suje as mãos
Não me toque com luvas
Livros verdadeiros
São impregnados de cheiros
Têm os cantos marcados
De dedos babados
Têm flores secas, espremidas
Entre hiatos de vidas
Rabiscos de lápis
Marcas de café
Manchas de vinho
Gorduras diversas
As páginas impressas
Foram sujas de tinta
(se limpas ficassem
na haveria o que ler)


TERCEIRA PÁGINA
Teu corpo, minha musa, é como o livro.
Você me encara como páginas
A serem escritas
Mas eu sei
que sou eu que tenho que aprender a ler


A MUSA
Não sei quanto tempo levou para que existisse
Para que se vestisse
Ou que se despisse
Para que eu a desejasse
Para que eu a tocasse
Para que o amor se fizesse
Em palavrinhas
Ou palavrões

(O Amor escraviza as palavras
 Sevicia-as tão completamente
 Ao ponto de inverterem o sentido
Do que é dito
Do que é ouvido)

Ela existia em mim muito antes que eu a percebesse
Ou que a palavra dela se irmanasse
Para construir esse canto
Era a necessidade de haver um ser tão diferente
Tão completamente diferente de mim
Que por ser assim
Me explicasse
Me ajudasse a entender
O que sou, o que posso ser
Na busca pelo outro.

A Musa, para mim é a necessidade
De expansão
É o mar que se estende, desconhecido,
Ao marinheiro de primeira viagem
Atrai e atemoriza
Eu zelo por ela dentro de mim
No meu templo mais sagrado