domingo, 6 de dezembro de 2015

Atitude de Samarco, Vale e BHP no Desastre de Mariana revela desprezo pela comunidade e por métodos modernos de gestão


O caso do Desastre de Mariana e do gerenciamento da crise pela Samarco e pelas suas proprietárias Vale e BHP Billiton é tão cheio de erros que em breve será ensinado nas faculdades de marketing e relações públicas como o melhor exemplo do que não fazer nesses casos.

Para entender melhor o que se passa é preciso compreender um conceito relativamente novo na gestão de empresas, o conceito de stakeholder. O conceito foi apresentado por Edward Freeman ainda em 1984, mas sua aplicação nas empresas é relativamente recente e as empresas são reticentes em aplicá-lo.

Isso porque a teoria do stakeholder significa que a empresa não deve gerar valor apenas para seus donos ou acionistas (shareholders) mas para toda a sociedade e para as pessoas cujas vidas são afetadas pelas suas ações, como clientes, fornecedores, comunidades, governos, organizações ambientalistas, sindicatos, etc.

A teoria do stakeholder é irmã siamesa da teoria da sustentabilidade, que diz que a empresa, para ser sustentável, tem que estar apoiada em três pilares, ou três “pês”: profit (lucro), people (pessoas) e planet (planeta, meio ambiente). Isto é ela tem que ser bem administrada financeiramente para dar lucros mas esses lucros têm que estar em harmonia com as pessoas com que ela se relaciona (stakeholders) e com o meio ambiente do planeta em que vivemos.

Empresas sustentáveis normalmente recebem certificações especiais das bolsas de valores, o que valoriza suas ações. É fácil entender por que: empresas sustentáveis não correm o risco de sofrer um processo por agressão ao meio ambiente – como está acontecendo com a Samarco – ou ações trabalhistas, e por isso são consideradas investimentos mais seguros.

OS ERROS DA SAMARCO
Embora seja aparentemente uma empresa benquista pelos seus funcionários (foi eleita um dos melhores lugares para se trabalhar pela revista Exame) e tenha a simpatia dos moradores de Mariana (que temem que ela saia do município e leve juntos empregos e receita) não adotou os cuidados necessários para evitar o acidente, desviando-se dos conceitos da gestão baseada no stakeholder. As represas de rejeitos estavam operando no limite e estavam com o licenciamento vencido.

Para se ter uma ideia do tamanho do descaso basta dizer que no Chile, um país com frequentes terremotos e minas com barragens de rejeitos, nunca houve um desastre dessas proporções e o máximo que tem acontecido com as minas nos últimos terremotos é a paralisação das atividades por queda de energia.

Mas se a Samarco estava sendo displicente com a segurança das barragens antes do rompimento, depois do acidente é que ela mostrou toda a sua ineficiência ao lidar com o problema. Primeiro, ela demorou em avisar o Governo do rompimento. Depois deixou que a ocorrência se desdobrasse em desastres cada vez maiores sem tomar nenhuma providência eficiente para evitar, por exemplo, a falta d’água em Governador Valadades, a chegada ao mar dos rejeitos e todos os dramas humanos que acompanharam o curso da lama de Mariana até o mar.

E se a reação prática aos acontecimentos foi muito aquém do necessário, a reação da comunicação foi, para dizer o mínimo, amadora. O que empresas como a Samarco precisam compreender é que no mundo em que vivemos, em que cada pessoa é potencialmente um gerador de conteúdo não se debelam crises com slogans ou frases de efeito.

Nós deixamos para trás a Era das Transações, em que a grande preocupação das empresas era empurrar o que tinham para vender com o menor custo e o maior preço, e estamos na Era dos Relacionamentos, em que para vender e continuar vendendo a empresa precisa manter relacionamentos saudáveis com todas as pessoas e instituições afetadas pela existência dela.

“Todas as empresas, todos os governos, todas as sociedades estão sob ataque para que se tornem mais humanos”, escreve Tim Kitchin, consultor internacional. Ele escreve que a ética de poder e controle da Era das Transações acabou junto com o modelo centrado no negócio. O objetivo da empresa agora é gerar valor para as pessoas que estão nela, para as que estão fora e para a sociedade.

E há uma diferença fundamental entre os dois modelos. Enquanto na Era das Transações a empresa busca a realização de um fato isolado no tempo, na Era dos Relacionamentos o objetivo é a construção de vínculos ao longo do tempo. Numa imagem simples podemos dizer que a Era das Transações é uma foto e a Era dos Relacionamentos é um filme.

O PODER DA REPUTAÇÃO
O clássico ataque de Kennedy contra Nixon na campanha presidencial de 1960 (“Você compraria um carro usado desse homem?”) chama atenção para um dos valores mais importantes das empresas em nossa época: a reputação. Vivemos em uma era de grande desconfiança em embora no Brasil os políticos liderem o ranking de desconfiança com folga, as empresas também não podem se sentir confortáveis.

O desastre de Mariana mancha a reputação da Samarco e a lama respinga nas suas controladoras Vale e BHP Billiton. E a atitude dessas empresas para gerir essa crise não mostra que o prejuízo está sendo recuperado Recentemente o jornalista Mark Margolis, correspondente da Bloomberg no Brasil, ao comparar Mariana com o desabamento da mina San José no Chile em 2010, lembrou que o então presidente Sebastian Pinera voou até o local assim que pode e esteve presente no momento do resgate do último mineiro soterrado no local.

Pinera conseguiu transformar uma crise em oportunidade. Até agora não se viu nada parecido de parte da Samarco e nem das autoridades brasileiras.

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