terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Remédios com receita matam mais que muitas doenças

Nos Estados Unidos e na Europa, remédios com receita só matam menos que o coração e o câncer
Medicamentos são a terceira maior causa de mortes nos Estados Unidos e na Europa, logo após as doenças cardíacas e o câncer. Metade dos mortos são pessoas que tomam seus remédios corretamente, de acordo com as prescrições médicas. A outra metade é de pacientes que tomaram doses altas de remédio ou que tomaram medicação com contra indicação.

O doutor Peter C. Gøtzsche, que publicou a informação no livro ‘Deadly Medicines and Organised Crime: How Big Pharma Has Corrupted Healthcare’ (“Remédios Mortais e Crime Organizado: Como a Indústria Farmacêutica Corrompeu a Saúde”, em tradução livre) sabe do que está falando. 

Ele foi o que no Brasil se chama de “propagandista” de remédio, aquela pessoa que trabalha para os grandes laboratórios apresentando aos médicos os novos lançamentos da indústria farmacêutica. Teve sucesso e tornou-se gerente de produtos de uma dessas empresas. Mas hoje, é um pesquisador com mais de 50 trabalhos publicados nas 5 mais importantes revistas médicas do mundo e com grande experiência em testes de novas drogas, que trabalha do outro lado da trincheira: é diretor do The Nordic Cochrane Centre, uma instituição voltada para a ética nos cuidados com a saúde.  

“Nós aprendemos como prevenir e tratar AIDS, cólera, malária, sarampo, peste negra, tuberculose, e erradicamos a varíola”, escreve ele em seu livro. “Infelizmente, hoje nós sofremos de duas epidemias causadas pelo homem, o tabagismo e os remédios receitados, ambas enormemente letais”. 

Se fosse uma doença infecciosa, espanta-se o doutor Gøtzsche, não faltaria gente para se manifestar e para criar grupos para combater. Como se trata de drogas, as pessoas não fazem nada. 

CHEGOU A HORA DE ABRIR A CAIXA PRETA
Um outro médico famoso, Sir Richard Thompson, presidente do Royal College of Physicians e por 21 anos médico pessoal da Rainha da Inglaterra, diz: “Chegou a hora de um inquérito público aberto sobre a forma pela qual  a evidência de eficácia dos novos remédios é obtida e revelada”

Sir Richard Thompson, médico da Rainha por 21 anos: falta transparência na indústria farmacêutica
Junto com outros 6 médicos renomados, Sir Thompson lançou uma campanha para advertir sobre a influência da indústria farmacêutica na prescrição de remédios. Para ele, novas drogas são pesquisadas e lançadas com bases científicas fracas e frequentemente obscuras, principalmente quando se trata de remédios voltados para idosos. “Há um perigo real em que alguns tratamentos medicamentosos são bem menos efetivos do que anteriormente se tinha pensado”, diz ele. 

“Há uma falta de transparência sistemática na informação que é dada aos médicos para prescrever uma medicação, de forma que os benefícios das drogas é grosseiramente exagerado e os efeitos colaterais subestimados nos relatos sobre as pesquisas”, afirmou o doutor Aseem Malhotra em entrevista ao jornal inglês The Independent

Malhotra é um dos médicos que apoiam Sir Thompson na campanha por maior transparência da indústria farmacêutica. Segundo ele, o poder econômico dessas empresas, capazes de financiar pesquisas e estudos para o lançamento de novas drogas, leva à publicação de informações distorcidas em revistas científicas, criando “uma epidemia de médicos mal informados”.

“Atingida por pesquisas feitas com amostras pequenas, resultados diminutos, análises exploratórias inválidas, e flagrantes conflitos de interesses, junto com uma obsessão em perseguir tendências das moda de importância duvidosa, a ciência está se dirigindo para a escuridão”, escreve Richard Horton, editor de uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo, o The Lancet, para concluir, surpreendentemente: “Muito da literatura científica, talvez a metade, pode simplesmente não ser verdade”.

E quem paga o pato por essa ciência ruim são os pacientes. O Dr. Malhotra, cita um relatório da poderosa agência de Saúde do governo americano, a FDA, que descobriu que efeitos adversos causados por remédios com receita causaram 123.000 mortes nos Estados Unidos, bem como sérias consequências em outros 800.000 pacientes, inclusive com hospitalizações e invalidez. O número de efeitos adversos de remédios com receita triplicaram nos últimos anos, de acordo com o mesmo estudo. 

ABANDONAR TODOS OS ANTIDEPRESSIVOS
Os efeitos podem ser tão prejudiciais que médicos como Peter C. Gøtzsche e Aseem Malhotra chegam a recomendar a alguns de seus pacientes que abandonem a medicação quando os efeitos colaterais são mais danosos que os eventuais riscos de interromper o tratamento. O doutor Gøtzsche chega a questionar o benefício de drogas de uso psiquiátrico como anti depressivos, remédios para esquizofrenia e aqueles usados para tratamento do déficit de atenção. 

“Dada a falta de benefícios, estimo que nós poderíamos parar com quase todas as drogas psicotrópicas sem causar nenhum dano – abandonando todos os antidepressivos, drogas para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e para a demência… e usando apenas uma fração dos antipsicóticos e benzodiazepínicos (drogas ansiolíticas como Frontal e Lexotan) que usamos atualmente.”

Claro que uma opinião tão radical encontra firme oposição de outros médicos mais conservadores. No entanto, poucas pessoas bem informadas, incusive médicos, teriam a coragem de negar que vivemos uma epidemia de super medicação. Para Peter Gøtzsche, abandonar ou diminuir o uso de remédios psicotrópicos levaria a “populações mais saudáveis e com vida mais longa. Porque as drogas psicotrópicas são imensamente danosas quando usadas a longo prazo, elas deveriam ser usadas quase que exclusivamente em situações agudas e sempre com um plano firme de redução gradual, o que pode ser difícil para muitos pacientes”, afirma.


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